Dorgival Terceiro Neto: vocação para o acaso e competência no
imprevisível
Por: Alexandre Nunes
A UNIÃO
De personalidade imune às paixões
político-partidárias, o taperoaense Dorgival Terceiro Neto, teve a incumbência
de um dia assumir os destinos da Paraíba como governador. Durante entrevista para
A União, ele admitiu que considera a política uma atividade cara e difícil de
ser exercida. Dorgival chega aos oitenta anos de idade, sem abrir mão do
exercício da advocacia e das atividades culturais, como membro da Academia
Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Sua
passagem como redator de A União, na década de 50, é uma lembrança que faz
questão de preservar, como uma das melhores épocas de sua vida. Dorgival
Terceiro Neto começou seus estudos aos 12 anos, no Ginásio Diocesano, em Patos.
Depois cursou o “Clássico”, no Liceu Paraibano, em João Pessoa. Concluiu o
curso de Direito em 1957, na Faculdade de Direito da Paraíba. Foi prefeito de
João Pessoa, de 1971 a 1974, e governador da Paraíba, de 1978 a 1979.
Como foi sua infância em Taperoá, no Cariri paraibano e como iniciou
seus estudos?
Nasci em Taperoá em 12 de
setembro de 1932, ano de uma seca terrível. Por lá fiquei uma boa parte da
infância e só aos 12 anos é que sai para estudar em Patos. Éramos nove irmãos e
meu pai, na condição de um pequeno produtor rural, não tinha condições para
educar todos os filhos. Ele só tinha condição para bancar a instrução de apenas
um filho e eu fui o escolhido para estudar em Patos. Por lá fiquei e estudei no
ginásio Diocesano, que era dirigido pelo Monsenhor Vieira. Fiquei lá interno
durante cinco anos. Mas sempre, nas férias, estava em Taperoá. Na verdade, fui
criado no serviço rural. Eu e meus irmãos fazíamos qualquer tipo de trabalho necessário
para a propriedade. Só em 1950 foi que vim para João Pessoa, porque só tinha
curso colegial, hoje segundo grau, em Campina Grande ou João Pessoa. Em João
Pessoa foi mais fácil para mim, porque tinha um primo de nome Lucas Vilar
Suassuna que era diretor do Departamento de Educação, substituto eventual do
secretário de Educação. Foi Lucas quem conseguiu minha vaga no Lyceu para o
curso Clássico e também a minha vaga na Casa do Estudante da Paraíba. Fiquei em
João Pessoa até hoje, minha segunda pátria. No entanto, não esqueço Taperoá
nunca. Não a cidade em si, porém o meio rural em que me criei.
O ambiente da Fazenda Santa Maria influenciou a construção do seu
universo cultural?
A minha casa lá na fazenda Santa
Maria, onde nasci, era frequentada por gente ligada ao meio cultural, especificamente
por representantes da literatura popular, como os violeiros e repentistas. Meu
primo Ariano Suassuna frequentava a fazenda Carnaúba que fica do outro lado do
rio, em frente à nossa fazenda. Então, quem ia lá visitar Ariano vinha em
seguida frequentar a Fazenda Santa Maria. Ariano sempre me procurava. Lá em
casa sempre apareciam violeiros como Louro do Pageú e o velho Pinto de Monteiro.
Cansei de almoçar com ele lá em casa. Luiz Gonzaga nos visitava sempre, tocava
sanfona, gostava de conversar com os meus pais e, por diversas vezes, pernoitou
em nossa casa, na Santa Maria. Cresci convivendo com esses artistas que
frequentavam as fazendas Santa Maria e a Carnaúba de Ariano.
Como foi sua vida na Casa do Estudante e qual seu círculo de amizades
naquele estabelecimento, que segundo dizem, tinha inúmeras personalidades que
depois se destacaram no cenário político e cultural da Paraíba?
Eu permaneci como interno na Casa
do Estudante durante o período em que fiz todo o curso do Lyceu Paraibano e a
metade do curso superior na Faculdade de Direito. A Casa do Estudante era um
ambiente de muita leitura. No meu tempo, a juventude que morava na Casa do Estudante
lia muito, a começar por José Belarmino da Nóbrega, um grande amigo que dividia
o quarto comigo. Um homem muito versátil, muito culto e que lia demais. Na Casa
do Estudante tinha uma boa biblioteca para quem quisesse ler. Lá também morava
Gonzaga Rodrigues que veio do interior para a capital e, não tendo onde ficar, se
alojou no quarto dividido por mim e José Belarmino. Como não tinha vaga para mais
ninguém, Gonzaga botou uns ganchos, armou uma rede e morou muito tempo com a
gente. Vivíamos comentando livros recém lançados e participando de atividades
literárias que eram promovidas em João Pessoa. Sempre houve da parte do pessoal
da Casa do Estudante uma maior versatilidade cultural. De lá saíram muitas
pessoas ilustres, como Francisco Leite Chaves, que foi senador pelo Paraná.
Leite Chaves era muito inteligente e nós o chamávamos de François porque, mesmo
rapazinho, já falava francês. Wilson Braga também morou, na minha época, na
Casa do Estudante, e já fazia política desde aquele tempo. Ele foi presidente
da casa e eu o tesoureiro, numa época que era muito disputada a presidência
naquele estabelecimento. Todos os residentes da Casa do Estudante eram
empenhados em estudar.
Como se deu o seu ingresso no jornalismo e, neste universo, que
amizades ainda preserva na imprensa paraibana?
Ingressei em A União na década de
50, já como redator. No jornal A União o pessoal ingressava como auxiliar de
redação, como revisor, mas eu já entrei como redator. O diretor era Juarez
Batista, chamado pela escritora Ângela de Castro de “O Helênico’, e era isso
mesmo. Quem me levou para A União foi José Barbosa de Sousa Lima, colega de
Casa do Estudante e que, naquele tempo, era o redator chefe do jornal. Foi ele
quem me apresentou a Juarez e disse: esse rapaz até que escreve mais ou menos.
Então, Juarez disse: aproveite ele na redação que ora está desfalcada. Na época,
três redatores tinham deixado o jornal. O primeiro, que não lembro o nome, foi convidado
para assumir a chefia de Gabinete do governador José Américo; o outro, Ronald
de Queiroz, foi para os EUA, e o último, Otávio de Sá Leitão, saiu em busca de
exercer uma formação qualquer. Como redator, passei cerca de oito anos e,
durante esse período, A União foi minha única universidade e nunca deixei de
reconhecer isso. O que aprendi em A União valeu mais do que tudo que aprendi na
universidade, porque o jornal me colocou em contato com universo. Na redação do
jornal, tínhamos que saber de tudo e isso de uma maneira bem difícil. Hoje em
dia, as comunicações são mais fáceis. Naquela época era muito difícil. Nós
recebíamos o noticiário através de agências, por meio de um serviço de rádio.
Havia dois senhores que faziam a captação das noticias e nos entregava para
serem analisadas, traduzidas e publicadas. A atividade como um todo era um
aprendizado. Guardo desta época a
amizade estreita com José Barbosa de Souza Lima, um dos maiores jornalistas de
A União no meu tempo. Euripedes Gadelha que já faleceu era secretário da
redação. Ele era uma espécie de cozinheiro
do jornal, pois fazia os traçados com as matérias para o pessoal não se
perder na paginação. Tudo naquela época era feito de uma forma muito primária, passando
pelo linotipo e a velha máquina de escrever. Não havia nada de computação, nem
dessa modernidade atual. Welligton Aguiar, Malaquias Batista e Arael Menezes
Costa, além de Linduarte Noronha, com o seu famoso cachimbo e que escrevia
sobre cinema, foram outros colegas de redação da minha época de A União. Depois
que veio Barreto Neto e aí eu não estava mais lá. Muitos dos velhos
companheiros não existem mais. Naquele tempo Juarez da Batista era um diretor
muito exigente. O jornal tinha que ser muito bem feito. Um redator não podia
cometer um erro de ortografia. Já o revisor era multado quando não corrigia os
erros. Juarez era uma espécie de mentor de todo mundo. A União recebia sempre
visita de pessoas muito importantes. Lembro de uma entrevista que fiz com Celso
Furtado, que também foi redator de A União, e de outra entrevista que fiz com
José Lins do Rêgo, que era amicíssimo de Juarez e ia sempre lá no jornal. Outro
que visitou A União, na minha época, foi o ministro da Saúde Mario Pinote. Fui
escalado para entrevistar esse ministro e toda conversa que mantive com esse
homem importante foi uma fonte de captação de conhecimento. Então A União foi
para mim uma verdadeira universidade.
O que motivou a escolha do Direito como sua atividade profissional
definitiva?
Na Verdade, na condição de filho
de agricultores, minha vocação era para ser engenheiro agrônomo, mas aconteceu
que um amigo meu, Onaldo Almeida Soares, me conseguiu um emprego assim que
terminei o curso clássico no Lyceu e nesse caso pensei: se for para Areia cursar
Agronomia, vou perder o emprego. Não fui agrônomo por conta desta circunstância.
A escolha do direito foi meio aleatória, mas motivada por uma razão: o medo da
matemática. O vestibular naquela época para Medicina, Engenharia, era muito
rigoroso e exigia muito conhecimento de matemática e eu sempre fui avesso à
matemática. Eu tinha muito medo de prestar vestibular e passar por uma vergonha.
Então fiz o vestibular de Direito e me dei bem, me classificando em quinto
lugar. Fiz Direito não na intenção de ser advogado. Pensava em ser magistrado.
Aconteceu que quando terminei o curso, o desembargador Mário Moacir Porto, um
grande amigo e uma das maiores culturas da Paraíba, quando soube que eu estava inscrito
num concurso para juiz, disse que eu não ia ser juiz, mas trabalhar com ele e
me nomeou subsecretário do Tribunal de Justiça da Paraíba. Mas uma vez tive a
minha vocação cortada. O secretário do tribunal era Celso de Paiva Leite, que
foi fazer um curso fora. Daí Mário me nomeou secretário do TJ da Paraíba. Quando
ele saiu do tribunal e foi para Universidade Federal, me levou e me nomeou
secretário geral da instituição. Acabei sendo advogado e até hoje milito na
área, com mais de 50 anos de profissão. Todos os meus filhos, um filho e duas
filhas, formaram-se em Direito, e já estou com três netos formados também em Direito.
Eles não quiseram outra profissão e seguiram o meu rumo. Então, hoje estou com
o escritório cheio de netos advogados e trabalhando comigo.
Como se deu a sua entrada na política?
Eu nunca fui político, nunca tive
gosto pela atividade política, que acho difícil, principalmente pela falta de
lealdade. Pode até ser um defeito, eu sou meio ríspido e rude no relacionamento
político. Eu nunca tive vocação para isso. Política é uma atividade cara e
difícil de ser exercida. Na verdade, não existe sinceridade na política e por
isso nunca me encantei por política. Fui nomeado prefeito de João Pessoa por
Ernani Sátyro. A prefeitura estava um
bagaço e tive que exercer um trabalho árduo para ajeitar a prefeitura, colocá-la
nos eixos e implementar um plano diretor
da cidade. Na ocasião, executei uma porção de obras importantes, como a maior
galeria já construída na capital, saindo do bairro dos Estados e terminando em
Mandacaru. Em alguns pontos a escavação chegou a 13 metros de profundidade. Era
uma obra enterrada que não tinha nem como inaugurar. Só me preocupava com coisas
que traziam benefícios sociais. Quando Ernani Sátyro deixou o governo, eu ainda
estava na prefeitura e vinha Ivan Bichara para o Governo do Estado. Ivan me
chamou e disse que queria que eu fosse o vice-governador. Ponderei que não tinha
em meu currículo um desempenho na atividade política. Ele disse que estava fora
da Paraíba há muito tempo e que precisava de alguém que conhecesse os problemas
do estado. Disse a ele que o auxiliaria no que pudesse e terminei aceitando o
convite. Fiquei como vice-governador até quando ele se retirou para se
candidatar ao Senado. Tive que assumir o Governo do Estado, onde fiquei durante
sete meses. Fui prefeito e governador quase sem querer, sem pedir e sem saber.
Foi assim que exerci cargos políticos e graças a Deus me sai bem. No entanto,
nunca tive interesse em ser candidato a nada.
Quando estava para deixar o governo, houve um movimento das classes
empresariais para eu ser deputado
federal. Houve até um jantar no Cabo
Branco, quando agradeci a todos e disse que não queria ser deputado, porque não
tinha vocação para isso. Eles ficaram decepcionados, mas teve que ser assim,
porque eu não queria ser político mesmo.
O que representou para um taperoaense chegar a governar os destinos da
Capital e do Estado da Paraíba?
Eu nunca imaginei que nascido em
taperoá , num pé de serra, eu viria a ser prefeito da Capital e governador do Estado.
Quer dizer, é o destino que traça o caminho e a gente vai seguindo, conduzido
pela mão como uma criança. Eu cheguei a esses cargos todos, como já falei, sem
querer, sem pedir e sem saber. No entanto, para mim foi uma grata surpresa. Mesmo
assim, não gostaria de voltar a exercê-los.
É tudo tão difícil, é uma vida tão mal vivida, noites mal dormidas e de
muitas preocupações, que você sacrifica a vida na condução desses cargos. Para
quem quer exercê-los de qualquer jeito, não tem problema. Mas, no meu caso não,
pois sou carregado de responsabilidade. Toda vida fui assim. Muitas vezes saia
da prefeitura de meia-noite. Esse trabalho me consumia, então não gostaria mais
de exercê-lo, de jeito nenhum.
Fale sobre sua incursão acadêmica na cátedra do Direito e na Academia
Paraibana de Letras.
O professor de Direito Civil da
Universidade era Mário Moacir Porto. Para onde ele ia me levava. Quando ele foi
federalizar a universidade, fui encarregado de um trabalho imenso, juntamente
com um pouco mais de meia dúzia de funcionários. O objetivo era tornar a
universidade um órgão federal de ensino. Na época, as faculdades eram
particulares. O trabalho de tombar todo o patrimônio da universidade me
consumiu mais de dois meses. Um trabalho imenso que, quando terminou, somou 72
kg de papel. O reitor Moacir Porto viajou para Brasília levando 72 kg de papel,
que era o trabalho de vários meses. Mário me nomeou assistente dele. Comecei no
ensino acadêmico pelas mãos dele. Fui assistente e depois assumi a titularidade
da cadeira, até chegar à aposentadoria. Entrei na Academia Paraibana de Letras através
de uma eleição em que fui candidato único. Eu tinha editado um livro na
universidade, quando me elegeram para a APL.
Quais os livros que lançou?
Já publiquei os livros "Gente
de ontem, história de sempre", "Paraíba de ontem, evocações de
hoje", "Taperoá - crônica para a sua história", e ainda o livro "Noções
preliminares de Direito Agrário”. Também me tornei membro do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano por conta dos livros que publiquei e também
porque eu escrevia para o jornal trabalhos sobre a história. Apesar disso, eu
não sou historiador, sou historiógrafo, o que é outra coisa.
Comente sobre a conjuntura política atual e que mudou de sua época em
relação aos tempos atuais.
Eu assisto as campanhas políticas
tem mais de 50 anos, e não mudou nada. É sempre a mesma coisa. A gente vê essas
promessas de campanha. É um prometo isso, prometo aquilo e, no final das contas,
fica só na promessa. O que mais me preocupa na Brasil é a falta de honestidade.
Até parece que existe um germe que toma conta dos homens públicos. Toda semana
tem um escândalo, tipo “mensalão”. Sempre roubam e não é pouco não. Tem
escândalo todo dia. O Brasil, na verdade, é um país rico e com uma
potencialidade que faz até inveja aos outros países, mas, da maneira como está,
com essas administrações desastrosas, vai terminar, na verdade, na miséria. O
progresso do país seria bem maior se procedessem com honestidade. O dinheiro
sobrava e daria para tudo. Mas, atualmente,
roubam muito, não sobra para nada, ou sobra para muito pouco. Terminam fazendo as coisas pela metade, ou
fazendo apenas uma terça parte daquilo que prometeram fazer.
Como foi a sua amizade co o ex-presidente Juscelino Kubichek?
O Brasil já teve bons
administradores como, por exemplo, Juscelino Kubichek, um grande amigo meu, que
sempre me visitava, quando vinha à Paraíba. E quando eu ia ao Rio de Janeiro
fazia questão que eu fosse lá visita-lo. Eu e Juscelino nascemos no dia 12 de
setembro, ele tinha um escritório no Rio de Janeiro só para receber os amigos.
Foi lá onde conheci Joubert de Carvalho, o homem que compôs a musica Maringá.
Todo dia Joubert de Carvalho ia lá conversar com ele. Juscelino era seresteiro
e Joubert de Carvalho um grande pianista, com muitas músicas bonitas. Conheci
ainda o Pianista Bené Nunes que todo dia também frequentava o escritório de Juscelino.
O ex-presidente da República ficava chateado quando sabia que eu tinha andado
no Rio de Janeiro e não tinha ido visitá-lo. Eu gostava muito de Juscelino e
lamentei sua morte. Não sei de onde ele tirava essa ideia, mas sempre me dizia
que ia ter uma morte violenta.